Em 1983, Raul Seixas criticava a burocracia estatal em “O Carimbador Maluco”. Quatro décadas depois, a formalidade se torna irrelevante diante da ação de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
No contexto de processos relacionados a um suposto golpe, o ministro Alexandre de Moraes adota uma postura peculiar em relação ao trânsito em julgado. No caso envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, o trânsito em julgado foi certificado sob a alegação de ausência de protocolo de embargos de declaração, mesmo com a possibilidade de embargos infringentes previstos no Regimento Interno do STF.
Situação semelhante ocorreu no caso de Braga Netto. Apesar da apresentação de embargos tempestivos, Moraes certificou o trânsito em julgado, justificando que os embargos seriam meramente “protelatórios” e, portanto, passíveis de serem ignorados. A dinâmica estabelecida sugere uma inevitabilidade: a certificação ocorre independentemente da apresentação ou não de recursos.
Eduardo Tagliaferro, que enfrenta um julgamento conduzido por Moraes por denunciar supostos abusos, encontrou um documento no sistema do STF que certificava o trânsito em julgado de seu caso, mesmo antes de qualquer condenação. Embora o documento tenha sido posteriormente excluído, sob a alegação de erro, o incidente levanta questionamentos sobre os procedimentos adotados.
A burocracia, outrora alvo das críticas de Raul Seixas, ao menos estabelecia regras. Atualmente, observa-se uma ausência de normas claras. O trânsito em julgado, momento crucial de um processo penal, torna-se suscetível a um voluntarismo que prioriza a celeridade na prisão, decisão e punição dos indivíduos considerados alvos.
Dessa forma, Moraes personifica uma nova versão do “carimbador maluco”, que não exige formalidades, mas as dispensa. Etapas são ignoradas, previsões regimentais são relativizadas e recursos são preteridos, transformando o processo em uma via de mão única rumo à execução penal imediata dos alvos selecionados.
Ainda assim, persiste a defesa desse estado de coisas, seja por interesse ou falta de compreensão. A classe jurídica, incluindo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), parece não perceber que o direito se tornou vulnerável e a profissão de advogado corre o risco de ser desvalorizada.
O futuro permanece incerto, com o receio de que as ações do STF possam ter consequências abrangentes e negativas.
Fonte: pleno.news